Mexicano junta ricos e pobres sob a mira das milícias

Primeiro, uma série ultrarrápida de planos estilizados. Em seguida, uma garota dorme na penumbra. A esta cena também curta sucede outra, na qual vemos uma senhora em um leito de hospital.

Estes signos breves sugerem conexões. Indicam fragmentos de um sonho, pela intensidade e estranhamento do que é possível reconhecer. Mas, se for de sonho, as imagens são inquietantes como as de um pesadelo. Assim, o drama mexicano “Nova Ordem”, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza de 2020, traduz as mudanças quase imperceptíveis da nossa irreal realidade.

A indeterminação inicial logo é esquecida quando “Nova Ordem” nos convida a participar do ritmo gozoso de uma festa de casamento. A delícia do beijo de um casal apaixonado, a aparência vip dos convidados, os comes e bebes de primeira e o ambiente sofisticado estabilizam a primeira e angustiante impressão.

A casa é um bunker, a equipe de seguranças está a postos e SUVs provavelmente blindados trazem os convidados mais importantes.

Mas algo fora do campo insinua a presença de algum distúrbio nas redondezas. Do mesmo modo que em “O Anjo Exterminador (1962), de Luis Buñuel, esse mundo na superfície ordenado e seguro será fraturado por algo cuja violência é sinônimo de irracional.

O projeto do diretor mexicano Michel Franco, contudo, não comporta a riqueza simbólica do gênio buñueliano. Aqui, há uma separação estanque entre o lado de dentro e o de fora, expresso na contradição esquemática entre “nós” e “outros”.

A ruptura da ordem é súbita e violenta. O filme, aliás, é todo feito de quebras, de transições temporais abruptas, de surpresas secas e duras. Mas não é só por essas escolhas formais que “Nova Ordem” perturba.

Seu incômodo maior vem do fato de não oferecer âncoras. Ao contrário de “Bacurau” e de “Parasita”, “Nova Ordem” não oferece um lado com o qual simpatizar e pelo qual torcer.

A explosão de violência poderia proporcionar um efeito catártico, mas não há muita coisa na representação dos ricos que nos estimule a vontade de vingança. O comportamento deles corresponde ao clichê: são esnobes e reage mal à aparição de um ex-empregado em momento de necessidade. São alienados, mas não chegam a ter como esporte eliminar pobres.

A violência de fato vem de fora e é coordenada por um grupo camuflado que abusa da força, tortura e estupra. Suas ações se assemelham ao das forças paramilitares dos piores anos de nossas ditaduras latino-americanas. Hoje, com novos métodos e assimiladas, elas se chamam milícias.

Nesta nova ordem, eles não têm nomes nem faces, são apenas forças que se impõem pelo medo. Controlam a vida e a morte, o direito de ir e vir, sequestram ricos e transferem a culpa para os pobres. Nesta nova ordem, somos todos reféns.

 

“Nova Ordem”

Diretor: Michel Franco

México/França, 2020, 88 min

 

Onde assistir: Amazon Prime Video

 

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