As outras faces da democracia americana
A democracia dos Estados Unidos nasceu como exemplo, sobreviveu a uma guerra civil, a turbulências do capitalismo, a assassinatos de presidentes e a uma crise que culminou na renúncia de outro. O cinema americano assumiu, desde cedo, a função de parceiro desse sistema, propagando sua imagem idealizada.
Isso não impediu que, em alguns momentos, suas imperfeições, fissuras e seus riscos fossem expostos aos olhos do mundo. A manipulação, a corrupção, os poderes sob o poder, as astúcias do populismo ou, pior, a intromissão de forças dispostas a minar o edifício democrático inspiraram filmes importantes.
A ficção se adiantava aos medos e ajudava a alertar para as ameaças. Neste dia D em que o sistema democrático norte-americano ––e, por extensão, global–– passa por um decisivo teste de resistência, selecionamos um conjunto de filmes que, em distintos momentos históricos, indicaram que essa construção pode ser menos sólida e estável do que parece.
“A Mulher Faz o Homem”
Frank Capra, 1939
Capra era um idealista, mas sabia que a imagem hollywoodiana de mundo perfeito podia produzir efeitos contrários. A democracia exibida neste clássico é uma “ilusão”. Ou seja, ela é forjada pelo conluio de políticos profissionais, empresários e imprensa a fim de legitimar o controle do poder pelas elites. Mr. Smith, ao contrário, representa o homem comum, encarna a democracia como ideal e, por uma das manobras fabulosas do cinema de Capra, arranca a máscara da versão falsa. Vencedor do Oscar de roteiro original em 1940.
Onde assistir:
“A Grande Ilusão”
Robert Rossen, 1949
O título brasileiro, homônimo do clássico francês de Jean Renoir, reitera a disposição de denunciar, até hoje uma tradição da ala progressista do cinema americano. O foco aqui é a trajetória de um político reformista que se torna corrupto. A vaidade, a bajulação e a subserviência são alguns dos vícios da política real representadas na obra, consagrada com os Oscar de melhor filme, ator (Broderick Crawford) e atriz (Mercedes McCambridge).
Onde assistir:
“A Hora da Zona Morta”
David Cronenberg, 1983
O canadense David Cronenberg adapta de modo gelado o romance de Stephen King sobre um pacato professor de inglês que se torna sensitivo ao retornar do coma. O convencional aperto de mãos que todo político usa para difundir simpatia acaba revelando o futuro apocalíptico nas mãos de um candidato populista. Individualmente e contra todos, o homem comum é o único agente disposto a deter o canalha que as massas, alegremente, elegem como salvador.
Onde assistir:
“Eleição”
Alexander Payne, 1999
A política transferida do espaço oficial para os corredores de uma escola de ensino médio. O habilidoso Alexander Payne inocula sutileza na habitual grossura das comédias adolescentes dos anos 1990 para satirizar uma eleição colegial liderada pela típica candidata “nascida para vencer”. Reese Whiterspoon, aos seus 20 e poucos, assume com devida ironia a face branca e loira que quer tudo, pois não vale nada.
Onde assistir:
“Sob o Domínio do Mal”
A primeira versão, um clássico da paranoia dos anos da Guerra Fria, refletia a forma como o anticomunismo no início dos anos 1960 ocultava perigos muito maiores. Esta refilmagem transpõe a trama para os tempos da Guerra do Golfo, momento em que ninguém falava em pós-verdade, mas a manipulação de tudo e de todos já mostrava, para quem quisesse ver, o que estava a caminho.
Onde assistir:
Netflix – Amazon Prime – Telecine
*****
O animador alemão Arne Hain passou uma temporada no estúdio de Phil Tippet, célebre criador de efeitos visuais, colaborando na produção do tresloucado projeto “Mad God”.
“Todos os dias”, relembra Hain, “eu ia de bicicleta para o trabalho e no caminho via todas as barracas que os moradores de rua têm de montar nas ruas. O custo de vida na Califórnia é imenso e há muitos desabrigados aonde quer que você vá. Ao mesmo tempo, o governo retirou estrangeiros ilegais de suas casas e os colocou em campos de detenção. Havia tanta injustiça social ao meu redor que eu tive que fazer algo.”
O alemão transformou sua indignação em uma animação em stop-motion que mostra, de forma bem-humorada, a América que ele viu.
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